Uzbequistão, As cidades das cúpulas azuis

É conhecido pelas mesquitas, madraças, palácios e outros locais ligados à Rota da Seda. A Kannak (novo operador da World2Meet) criou um roteiro que leva os turistas durante sete dias pelas cidades históricas do Uzbequistão, começando na capital Tashkent e seguindo num crescendo de beleza e deslumbramento à medida que nos aproximamos da cidade-oásis de Khiva, junto à fronteira com o Turquemenistão.

A primeira imagem de Tashkent (diz-se Toshkent), a capital do Uzbequistão, depois de um voo noturno de mais de sete horas a partir de Madrid, são avenidas largas e limpas, a típica arquitetura soviética, muito trabalho de construção e muitos Chevrolet a circular.

Não só a capital, mas todo o país atravessa um boom de construção para acompanhar o crescimento da população nesta antiga república soviética que, de 1960 para 2022, cresceu 381% (de 8,53 milhões para 35,65 milhões de habitantes). Só em Tashkent vivem três milhões. O turismo também está a crescer, assente sobretudo no património cultural da antiga Rota da Seda, mas a capital também surpreende.

Tashkent é uma cidade moderna de prédios altos e reluzentes, e espaços verdes bem cuidados. Um passeio a pé pelo centro vai permitir passar por algumas das principais atrações, desde logo pelo monumento que evoca os cerca de dois milhões de uzbeques combateram na II Guerra Mundial. O Memorial celebra a vitória da URSS sobre o nazismo, sem esquecer todos os que perderam a vida no conflito e cujos nomes estão inscritos em grandes páginas de cobre.

O complexo fica num parque e a uma curta caminhada da ampla Praça da Independência (Mustaqillik Maydoni) assim rebatizada depois da independência do Uzbequistão. Antes de 1991 chamava-se Praça Lenin.

A pouca distância fica o Palácio Romanov — mandado construir em 1889 por um sobrinho proscrito do czar da Rússia, exilado em Tashkent após roubar umas joias à mãe — que foi convertido em museu de artes, mas que estava fechado quando visitamos. Também nas imediações está o Teatro de Ópera e Ballet (Alisher Navoiy Theater). Desenhado pelo arquiteto soviético Alexei Schusev, que também criou o túmulo de Lenine, em Moscovo, foi desenhado nos anos 30, mas a sua conclusão só aconteceu já depois da Segunda Guerra por prisioneiros de guerra japoneses.

Apesar de os vestígios da presença soviética (que durou quase 70 anos) se encontrarem por todo o lado, o metro é provavelmente onde essa atmosfera se sente mais. À semelhança de outros construídos pelos soviéticos — como Moscovo ou Kiev — as estações são amplas, decoradas com mármores, mosaicos, lustres. Apenas há meia dúzia de anos era proibido fotografar no metro, mas hoje é um ponto turístico. Estações como a Pakhtor, a Alisher Navoyi e a Kosmonavtlar, que homenageia os cosmonautas da corrida espacial, merecem uma visita.

O Hotel Uzbekistan é porventura o mais icónico exemplar do brutalismo soviético dos anos 70. Um enorme edifício de mais de 300 quartos cuja fachada é decorada com uma intrincada treliça em cimento. As reviews dizem que os quartos estão fora de moda, o que não espanta, a avaliar pelo ar vintage do bar Vienna, no piso da receção.

Logo em frente ao hotel está a ampla Praça Amir Temur (antes da independência era a Praça da Revolução de Outubro) em homenagem a Tamerlão (1336–1405), o grande conquistador de origem turco-mongol que agregou terras e tribos, construiu o Império Timúrida e é visto no Uzbequistão como herói nacional. É representado em gigantescas estátuas equestres e o seu túmulo, em Samarcanda, é uma das principais atrações turísticas.

Na viagem de cinco horas de autocarro de Tashkent para Samarcanda, sobra tempo para que o guia que acompanha o grupo dê informações sobre a história recente do país, que obteve a independência a 1 setembro de 1991. São enumerados os melhoramentos introduzidos pelos soviéticos a partir de 1924 e que em poucos anos conseguiram que o país desse um salto da Idade Média à civilização: a promoção da saúde, da habitação, educação, da proteção social, e o combate à religião e às superstições… Em contrapartida, a eliminação da propriedade privada com a instituição dos “kolkhoz”, as prisões e o desterro na Sibéria. “Não digo que foi bom nem que foi mau, estou a dizer como foi”, nota Rasul.

Hoje o Uzbequistão mantém laços fortes com a Rússia, não apenas em termos económicos (a Rússia, a par com a China, é o principal importador dos produtos uzbeques) mas também sociais, tendo em conta que cerca de dois milhões de uzbeques vivem e trabalham na Rússia e o russo é de ensino obrigatório nas escolas não sendo considerado uma língua estrangeira. Os sinais e indicações em cirílico são muito frequentes.

Rasul explica também que a predominância de Chevrolet nas estradas se deve a uma joint venture do governo do Uzbequistão com a General Motors (assim nasceu a GM Uzbequistão). Embora o cenário tenha vindo a mudar, a marca americana é a predominante, com destaque para o modelo Damas, uma carrinha pequena usada também para transporte informal de passageiros, e presente em todo o lado.

Samarcanda

O nome Samarcanda faz soar no imaginário histórias e lendas perdidas no tempo. Situada no sudoeste do Uzbequistão, a terceira maior cidade do país é uma das mais antigas continuamente habitadas da Ásia Central com cerca de 2750 anos de história.

Situada num vale fértil, a localização geográfica tornou-a numa das principais cidades da Rota da Seda — a maior rede comercial da Antiguidade e Idade Média que ligava a China e o Mediterrâneo. Foi um importante centro de estudos islâmicos e sede do movimento cultural e científico que ficou conhecido como Renascimento Timúrida, já que Amir Temur a escolheu para capital do império. Após a morte do conquistador, houve lutas pelo trono e o império partiu-se em pedaços.

Tamerlão repousa numa tumba de jade no Mausuléu de Gur-Emir, juntamente com alguns dos seus filhos e netos. Em 1941 o seu corpo foi por um arqueólogo soviético e confirmou-se que o grande estratega militar responsável por imensas campanhas e conquistas na Ásia Central e Médio Oriente seria coxo.

Em Samarcanda são também de visita obrigatória a Mesquita de Bibi Hanim, reconstruída durante o período soviético depois de destruída por um terramoto em 1898, e a grande Praça Reguistão, rodeada por três magníficas madrassas (escolas de estudos islâmicos). A Cher Dor é famosa pelos dois grandes tigres amarelos que aparecem sobre o portal, algo que não está bem explicado e vai contra o tabu islâmico sobre a representação de seres vivos. As outras são Ulugue Begue e Tillakori.

Vá com tempo e disposição para apreciar a grandeza dos edifícios e a delicadeza do trabalho de decoração. Fachadas, pátios, cúpulas, minaretes, tudo está coberto por azulejos, mosaicos, cerâmica onde o azul é a cor que predomina. Todos os dias, às 21h turistas e habitantes juntam-se na escadaria de frente para a praça para assistir ao espetáculo da praça iluminada ao som de música. Apanhamos uma noite de sábado, quente, com trânsito e esplanadas cheias.

Vamos encontrar o mesmo trabalho minucioso na decoração dos túmulos da Necrópole Shaki-Zinda. A lenda diz que tudo começou com a tumba de Kusam ibn Abbas, primo do profeta Maomé. Segundo a crença supersticiosa da época, no juízo final, um santo levava consigo todos os que estavam sepultados perto de si. Assim, rapidamente surgiram em redor outras tumbas, sendo que os mausoléus mais antigos são do século XI. Ali repousam algumas das mulheres e capitães de Tamerlão. O resultado é um espetacular complexo de mais de vinte mausoléus, muitos decorados com azulejos e ladrilhos num impressionante trabalho de detalhe.

As tradições dos antigos ofícios, como os bordados, nomeadamente em ouro, tecelagem de seda e trabalhos em cobre e madeira entalhada foram preservados ao longo dos séculos em Samarcanda. Visitamos uma oficina de fabrico manual de papel de seda, feito a partir da madeira das amoreiras num processo provavelmente pouco diferente do que se usava na China há mais de 2000 anos.

As amoreiras são uma presença constante no Uzbequistão, nas cidades, à beira das estradas, estão por todo o lado nas variantes de frutos brancos e pretos. A produção de seda começou no Vale Fergana, no leste do Uzbequistão (e sul do Quirguistão e norte do Tajiquistão) há mais de quatro mil anos. Hoje, todo o tipo de produtos de seda continua a ser feito no país: tecidos, tapetes, roupas, chapéus, artigos de decoração, e uma grande variedade de lembranças. Note que, para as compras, é bom ter alguns Som uzbeque (1 euro equivale e a 13 700 som), embora nas cidades mais turísticas possam aceitar euros ou dólares.

Bukhara

A etapa seguinte da viagem é Bukhara, no oeste do país. São precisas cinco horas para percorrer os 270 km pela M37. Ao longo do percurso passamos por muitas “metaneiras”, como chama o guia Rasul aos postos de abastecimento de gás. Apesar de o país ser produtor de gás natural (e, por isso, muitos carros serem movidos a GPL) as necessidades de energia devido ao rápido crescimento da população são uma realidade. Os apagões acontecem e buscam-se alternativas, na energia eólica mas também na nuclear — Rasul garante que existe um acordo recente com Putin para a construção de uma central.

O Uzbequistão é um país seguro, onde se pode viajar com tranquilidade. Cerca de 83% da população é muçulmana, mas o país é laico e o islamismo praticado é moderado. A isso não será alheio o longo regime autoritário de Islam Karimov — um homem que passou por todas as etapas no aparelho do partido comunista no período da URSS e que governou o Uzbesquistão desde a independência até à sua morte, em 2016. Atualmente é presidente interino Shavkat Mirziyoyev, que ocupava o cargo de primeiro-ministro na altura. Embora seja recomendado algum recato sobretudo na visita a locais religiosos, o ambiente geral é bem mais descontraído que noutros países islâmicos.

Na chegada a Bukhara batemos de frente com o verão uzbek. As altas temperaturas, que podem facilmente superar os 40º em boa parte do país, fazem com que o programa da Kannak seja interrompido durante julho e agosto, e retomado apenas em setembro e outubro. O calor obriga a ajustar as horas das visitas mais para o fim da tarde.

Bukhara é uma cidade sagrada para o mundo islâmico. A sua origem remonta ao período persa e será habitada há mais de 5 mil anos. Tem 140 monumentos importantes do ponto de vista arquitetónico e histórico e em 1993 o seu centro histórico foi declarado Património Mundial da Humanidade. O mais emblemático é o complexo Poi Kalon, uma praça composta pela Mesquita Kalyan, mais conhecida pelo grande minarete — a contrução mais antiga do conjunto — e pelas madraças Mir i Arab (a única em toda a Ásia Central que funcionou durante o período soviético) e a Emir Alim Cã, no extremo sul da praça.

Localizada em plena Rota da Seda, Bukhara era uma cidade muito comercial e, depois da independência, nos anos 2000, foram encontrados vestígios de muitos mercados. A construção mais antiga é a Ark, uma cidadela que além de fortaleza militar serviu também de palácio para várias cortes. Era o Emirato de Bukhara quando em 1869 se tornou num protetorado da Rússia. A Ark foi destruída várias vezes ao longo dos séculos e foi a última residência do emir de Bukhara quando chegaram os soviéticos em 1920. Foi bombardeada e o emir fugiu através de um túnel e refugiou-se no Afeganistão onde morreu em 1944.

Antes de escaparmos ao calor para nos refugiarmos no hotel, pudemos assistir à chamada para a oração na impressionante Mesquita Bolo Hauz. Construída a partir de 1712, faz parte de um conjunto que inclui um lago artificial e um minarete e é um dos mais importantes monumentos da cidade.

Khiva

São precisas sete horas para percorrer os 480 km até Khiva. A estrada é uma imensa reta ladeada de planície a perder de vista, de vegetação rasteira, à medida que nos aproximamos do Deserto de Quizilcum. Este deserto de estepe tem cerca de 300 km² e a maior parte fica no Cazaquistão. Ali as temperaturas podem chegar aos 50º no verão, de onde facilmente se deduz a importância dos camelos usados nas caravanas da Rota da Seda.

Neste mesmo deserto existiam tribos nómadas, que praticamente desaparecem com a chegada dos soviéticos e com as regras que lhes foram impostas, nomeadamente a escolaridade passou a ser obrigatória.

Nós atravessamos o deserto num autocarro com ar condicionado e Wi-Fi e só tomamos consciência do calor nas breves paragens para ir ao WC. Numa estação de serviço, os motoristas entretêm-se a retirar os enormes gafanhotos que ficaram presos nas grades dos carros. Um dos motoristas ali parados pede para tirar uma fotografia connosco, algo que aconteceu outras vezes ao longo da viagem, da mesma maneira nunca ninguém mostrou desagrado ao ser fotografado, antes pelo contrário, as pessoas posam orgulhosamente com toda a família, sorridentes, muitas vezes mostrando os dentes de ouro.

O mau estado da estrada faz com que a viagem se arraste, sobretudo na reta final. Quando atravessamos uma ponte sobre o rio Amu Darya somos avisados de que não se podem fotografar as pontes. “Resquícios dos tempos da URSS…”, explica Rasul.

A água continua a ser um problema no Uzbequistão. O país não só não tem fronteiras com o mar como os seus cinco vizinhos (Cazaquistão, Quirguistão, Turquemenistão, Tajiquistão e Afeganistão) também não têm. Cerca de 80% da água vem dos países vizinhos, através dois principais rios, Syr Darya e este Amu Darya que acabamos de atravessar. O mais extenso rio da Ásia Central foi desviado no seu trecho final para canais de irrigação para os campos de algodão que os soviéticos estavam determinados a produzir (e produziram) no deserto. Terá sido esta a principal causa de uma das maiores catástrofes ambientais do século XX ao provocar o “encolhimento” do Mar de Aral e todas as consequências que daí advieram.

Khiva foi construída num oásis há qualquer coisa como 2500 anos. Cidade muralhada duas vezes, foi um reino independente, o Canato de Khiva, por mais de três séculos, até 1873, altura em que passou a ser um protetorado da Rússia. Quando chegaram os soviéticos, o último Khan da Khiva, Sayid Abdullah, refugiou-se na Ucrânia onde viria a morrer na miséria.

Itchan Kala é o nome da cidade no interior da muralha. Ali estão concentrados mais de 50 monumentos históricos e 250 casas antigas, que formam um conjunto bem preservado da arquitetura islâmica da Ásia Central, sobretudo dos séculos XVIII e XIX. As construções mais antigas são o baluarte de Ak Cheikh Bobo, do século XII, e o mausoléu de Sayid Alauddine, do século XIV.

No século XIX vinham de todo o lado estudar nas madraças de Khiva, explica Rasul. Nessa altura havia 80 minaretes a enfeitar o horizonte da cidade. Hoje há apenas 12. O mais célebre é um pequeno minarete achatado, Kalta Minor, junto à Madraça Maomé Amim Cã. Foi projetado para ter mais de 100 metros e ser o mais alto de todo o mundo islâmico, mas a construção terminou com a morte do rei e ficou como estava. Em azul-turquesa e decorado com motivos geométricos é um excelente ponto de encontro dentro de Itchan Kala, que pode ser labiríntica.

O regresso a Madrid faz-se a partir do Aeroporto Internacional de Urgench, a cerca de 30 km de Khiva. Aliás, o percurso da Kannak também pode ser feito no sentido aposto ao que aqui descrevemos, de Khiva para Tashkent. Num sentido ou noutro, as cidades milenares do Uzbequistão são garantia de deslumbramento e de umas centenas de belas fotografias.

 

Plov, o rei da mesa uzbeque
Numa viagem de uma semana pelo Uzbequistão é certo que lhe vão servir plov pelo menos duas ou três vezes. Aproveite porque por cá é difícil de encontrar. Considerado o prato nacional, servido em festas e eventos importantes, é um prato de arroz aromático, com muitas especiarias, cozido com carne (vaca, aves ou borrego) e legumes. É servido num prato grande e a tradição uzbeque manda que o plov seja preparado exclusivamente por homens. Qualquer refeição é sempre acompanhada por diversas saladas, com a beringela à frente das hostilidades. O peixe é mais raro e o salmão tido como um prato requintado. Sempre presente está também o lepeshka, o pão redondo e achatado, muitas vezes decorado com motivos simétricos e delicioso.

 

Como ir: A Kannak, novo operador turístico especializado em circuitos culturais do grupo W2M, oferece pacotes de 7 dias no Uzbequistão entre setembro e outubro.

 

Por Cláudia Silveira; a jornalista viajou a convite do Grupo W2M.