Um segredo chamado Piauí
Aninhado entre o Maranhão, cujos Lençóis atraem turistas há muitos anos, e o Ceará, que esteve entre os primeiros destinos dos charters dos operadores portugueses para o Nordeste brasileiro, em 2000, o estado brasileiro do Piauí trabalha para se destacar dos vizinhos e atrair visitantes por si só. A Ambitur foi conhecer o litoral e o sertão do Piauí e conta-lhe porque deve ponderar este destino na próxima viagem ao Brasil.
Reza a história que, quando navegava pelo litoral do Nordeste, o português Nicolau de Resende perdeu uma das suas caravelas, que ia carregadinha de ouro. O navegador ficou os 17 anos seguintes em Parnaíba tentando encontrar o seu tesouro. Conviveu com os índios tremembés, que viviam na foz do rio, mas nunca encontrou a carga de ouro. No final, acabou por descobrir e mapear todo o Delta do rio Parnaíba.
O Delta do Parnaíba é o maior delta das Américas em mar aberto. Isto significa que o rio Parnaíba se divide em cinco grandes braços (Tutóia, Carrapato, Caju, Canárias e Iguaraçu), como os dedos de uma mão, com saídas diretas para o mar. O guia Renato, da MB Turismo, que nos levou numa visita de lancha pelos braços de água, explica que este é o terceiro maior delta, a seguir ao do Nilo e ao do Mekong.
São 2,7 mil km² de um emaranhado de canais, igarapés (os canais mais estreitos), lagoas, mangues e mais de 70 ilhas (Ilha Grande, Canárias e Caju são as mais visitadas), na fronteira entre o Maranhão e o Piauí. O passeio, que começa em Porto dos Tatus, na Ilha Grande, é uma festa da natureza. Temos dunas de areia que se estendem mesmo até à beira da água, há floresta, lagoas, praias sem ninguém.
Paramos para almoçar na Casa de Caboclo, na Ilha das Canárias, uma das maiores do delta, que está localizado já no estado do Maranhão. O proprietário, Daniel Feydit, está de saída para assistir ao jogo de futebol do filho, em Parnaíba. Apesar de morar no Maranhão, toda a vida é feita no Piauí. Depois da moqueca de frutos do mangue e de experimentarmos o doce Pé de Caboclo (que leva castanha de caju em vez do amendoim do Pé de Moleque), voltamos para a lancha.
Um casal de tucanos sobrevoa o barco, enquanto os pequenos macacos-prego (que se alimentam de caranguejos) nos observam das árvores nas margens. Os jacarés e as garças são outros habitantes deste santuário da natureza, assim como os guarás, outra espécie apreciadora dos crustáceos e que todos os finais de tarde protagonizam o espetáculo mais procurado do delta: a revoada dos guarás. Durante cerca de 20 minutos, milhares de pássaros vermelhos (são também conhecidos como Íbis Escarlate) voam de todos os lados do delta em direção a esta pequena ilhota onde passarão a noite.
É já noite cerrada quando regressamos ao Porto dos Tatus. A lancha rompe o escuro emoldurado pelas silhuetas das margens e pelo céu estrelado: uma experiência libertadora e assustadora em partes idênticas.
Desde 2005 que o Piauí, mais concretamente o Delta do Parnaíba, faz parte da Rota das Emoções, um roteiro que integra o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, a Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba e o Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará. A iniciativa de criar esta rota partiu do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em conjunto com o Ministério do Turismo e empresários dos três estados com o objetivo de atrair mais visitantes para os estados do Nordeste e gerar mais oportunidades para os empreendedores.
Um desses empreendedores é o português Mário Vieira de Carvalho, que fomos encontrar no seu Hotel Boutique Casa de Santo António, em Parnaíba, acompanhado pela cadela Pipa, uma boca-preta sertanejo que resgatou da rua. Aberto em 2013 com 22 quartos que evocam o charme do passado, o hotel nasceu da recuperação de um edifício no princípio do século XX, como outros que existem no centro de Parnaíba, testemunhas da época colonial, de quando a localidade era uma vila de pescadores.
Lisboeta criado na Costa do Castelo, Mário trabalhava para um operador turístico quando foi no primeiro charter para Fortaleza conhecer o Ceará. Apaixonou-se pela região, pelo clima, as praias e as pessoas e arranjou maneira de lhe poder chamar casa também. Passa quase todo o tempo no Nordeste a acompanhar a operação dos 3 hotéis que detém – além deste, mais dois em Camocim, no Ceará, um na cidade e outro na praia, na Baía das Caraúbas. Para Mário, que destaca a autenticidade das pessoas, o Piauí “tem cada vez mais oferta, mais produto, e merece que se gaste mais tempo aqui”.
Com temperaturas acima dos 30 graus durante todo o ano, a praia é algo que quase todos os que viajam para o Brasil buscam. Apesar de ter o litoral mais pequeno de todos os estados do Brasil que ficam junto ao mar, apenas 66 km, no Piauí há várias praias por onde escolher. Fomos conhecer Barra Grande, onde o kitesurf é o desporto de eleição. Tudo começou há muitos anos quando o médico de Parnaíba, Ariosto Ibiapina, comprou um terreno na praia, começou a praticar kite e a ensinar às crianças. Em 2004 criou a Pousada BGK e acabou por criar um “point” mundialmente famoso entre os praticantes de kitesurf.
Quem quiser aventurar-se a voar ao sabor do vento sobre o mar, tem que fazer, no mínimo, entre 25 a 30 horas de aulas, antes de poder sair para o mar. Marcos, instrutor da BGK, que já deu aulas também no Ceará, diz que ali estão reunidas “as condições ideais de vento, marés e temperatura da água”. Num desporto onde a segurança é muito importante, com um intrincado sistema de cordas e ganchos, quem estiver interessado em aprender pode começar por “aprender a ler o vento”.
Barra Grande era uma pequena povoação de pescadores que, à semelhança de muitas outras no litoral do Brasil, cresceu para o turismo nas últimas décadas, criando emprego e fontes de rendimento para quem de outra forma seria obrigado a sair. Hoje há restaurantes, bares, pousadas. Como a Bobz Boutique Resort, em Barrinha, onde passamos uma noite de vento e tomamos um delicioso café da manhã com frutas, tapioca, cuscuz de milho e bolo de mandioca.
De volta à cidade, mais de uma hora de carro, vamos visitar a Associação Trançados da Ilha, em Ilha Grande de Santa Isabel, onde dezenas de famílias, sobretudo as mulheres, trabalham as fibras retiradas da palha da carnaúba – uma importante palmeira do nordeste brasileiro conhecida como “árvore-da-vida” por dela se aproveitar tudo – para criar os mais variados objetos, como tapetes e cestos.
Serrate Maria Gonçalves é mestre artesã da associação. Começou a trabalhar como artesã em 1982 logo após casar e perceber que precisava providenciar o sustento da casa e dos filhos. A associação foi criada em 2000 e tem contado com o apoio do Sebrae que lhes permitiu dar um salto de qualidade, estar em feiras, vender para todo o país e mesmo exportar para países como a Finlândia.
A uma distância de cerca de 5 km fica a Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana, mais um negócio associativo apoiado pelo Sebrae que tem permitido às mulheres obterem rendimento e não ficarem dependentes dos maridos. A partir da renda de bilros, cerca de 20 artesãs produzem todo o tipo de decoração e até vestidos de noiva. O trabalho destas mulheres ganhou destaque no Brasil quando a ex-primeira dama, Marisa Letícia, usou um vestido feito com 1500 camélias feitas em renda de bilros na tomada de posse do segundo mandato de Lula.
Um passeio pelo centro histórico de Parnaíba pode começar onde tudo começou, junto ao Porto das Barcas. Foi na margem direita do rio Igaraçu, um afluente do Parnaíba, que se desenvolveu um dos núcleos que originou a cidade de Parnaíba. Hoje é um conjunto classificado constituído pelos prédios antigos da alfândega, cais, pátios, dique, becos e vielas do século XIX.
Há uns anos foi reabilitado e é agora um colorido complexo cultural com galerias, artesanato, agências de turismo. Mesmo ao lado está o Museu do Mar do Delta do Parnaíba, que nos ajuda a perceber melhor a geografia do Delta (65% está no Maranhão e 35% no Piauí) e como as pessoas, ao longo dos anos, ali viveram.
Parnaíba é uma pequena cidade (tem 160 mil habitantes), daquelas onde podemos ir a pé a qualquer lugar (não fosse o calor). O “marco zero”, como os brasileiros gostam de dizer, está na Praça da Graça, onde fica a Catedral de Nossa Senhora das Graças, construída em 1700. Na mesma praça fica a Igreja do Rosário, construída pouco depois, para os escravos.
O conjunto histórico e paisagístico de Parnaíba, classificado pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional, em 2011, contém cerca de 830 imóveis. É o caso da Casa Inglesa, da família Clark, ou do casarão dos Azulejos, casa da poetisa D. Luiza Amélia Queirós Brandão.
Antes de deixar o litoral e rumar ao sertão do Piauí, falta um último passeio. A Lagoa do Portinho é uma extensa lagoa de água doce, cercada por imensas dunas de areia branca moldadas pelos ventos, como uma paisagem desértica pontuada pelas vacas e cavalos que pastam pachorrentamente nos baixios onde a água permitiu a vegetação. Ao todo são 17km2 e os locais gostam de se lhes referir como os “lençóis piauienses”. Não ficamos para o pôr do sol, que os guias e condutores do UTV da empresa Adventure Phb garantiram ser o mais bonito das redondezas, mas tomamos banho na lagoa antes de voar para outros pores do sol, agora no sertão nordestino.
Como chegar
A melhor forma de chegar a Parnaíba é voar para Fortaleza ou S. Luís do Maranhão, com a TAP, e daí apanhar o voo regional da Rota das Emoções, operado pela Azul Linhas Aéreas. O voo, panorâmico, é operado por um Cessna tem apenas nove lugares e liga as cidades de Aracati, Fortaleza, Jericoacoara, Parnaíba, Barreirinhas e São Luiz.
Por Cláudia Silveira. A Ambitur visitou o Piauí a convite do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da VBRATA (Visit Brazil Travel Association). A Press Trip decorreu no âmbito da iniciativa Piauí Showcase em Portugal 2023, uma parceria do Sebrae no Piauí com o Governo do Estado (através da Invest Piauí e da Secretaria de Estado do Turismo do Piauí) e com a Embratur, e insere-se num vasto programa de divulgação do Piauí em Portugal enquanto destino turístico.