(Crónica de Viagem – parte I) A vida é o resultado de encontros e desencontros. Encontros de sabores, desencontros de notas musicais. Encontros de sorrisos, desencontros de olhares. Como um emaranhado de fios elétricos, de uma rua de São Salvador, a vida prossegue ao ritmo de cada um. Numa terra mística, foram 13 os que embarcaram de Lisboa, para a capital da Bahia, a convite da Solférias e da Air Europa. São profissionais de turismo, a maioria para sentirem pela primeira vez o Brasil, outros Salvador, outros ainda para recordarem o que lá deixaram ou o que de lá trouxeram em outros tempos.
“Ser baiano é ser feliz”
Falar da Bahia é fácil, tem tudo e também o chatgpt ou deepseek para ajudar, mas viver Salvador só para quem lá vai. “Vai sacudir, vai abalar… ” torna-se o som de fundo, Ivete Sangalo dá o mote, abafando o outro dominante, o do motor da embarcação que irrompe as águas da Baía de Todos os Santos. Há quem sacuda os braços, outros agitam os lábios, “há muita emoção no ar”.
Emoção é o que não falta no olhar de qualquer baiano. Pergunto-me, de onde ela vem? Mas entendo que é ancestral, que vem dentro deles, que vem do abismo do tempo. A misticidade está sempre presente onde eles respiram. Só entende quem a sente. Da forma como se entende as músicas dos seus grandes compositores, cantores e instrumentistas. De Caetano a Gilberto Gil, não nomeio mais nenhum, pois falharia algum. Mas em representação de todos os outros nomeio os Novos Baianos, que descobri num DvD, algures num Centro Comercial de Lisboa, há uns anos, através da ajuda de Marisa Monte.
Mas falava de emoção… vi-a surgir, crescer e revelar-se enquanto falava com o guia que nos acompanha à Ilha dos Frades. Quis que me falasse um pouco de si, de histórias que sabe de Salvador – como os fios elétricos que se mantêm ainda agora pendurados naquela rua de Salvador. Os seus olhos começaram a modificar-se, com as respostas, revelando as frequências do seu cérebro à procura das respostas, seu sorriso alarga-se enquanto se exprime, as palavras soltam-se ao vento, mas os olhos ficam espelhados e depois húmidos, atingindo o clímax quando nos revela o segredo mais bem escondido da Bahia: os seus heróis ancestrais, que vieram de África, reis e rainhas, escravos e pessoas comuns para a América. Falta saber mais sobre a história dessas personagens e, talvez, enquanto esse passado não for desenterrado, os seus olhos procurarão algures o que lhes ainda falta.

José Barreto é um baiano característico, magro, preto, é guia de turismo formado desde 1986, trabalhando no ramo há já 40 anos, é um daqueles que ama o que faz, tem amor pelo lugar em que nasceu e pela história do Brasil. “Recebo pessoas do mundo inteiro, ser baiano é representar a alegria é ter no sangue a ancestralidade africana e também os costumes dos nossos primeiros colonizadores. Ser baiano é ser feliz”.
O guia encanta-nos com as suas histórias, houve quem tenha tido uma aula de Candoblé (a Inês). Outros quatro rodeiam-no, pouco depois (Catarina, Tatiana, David e Ana Br.), enquanto este discorre sobre a entidade e acolhimento baianos. Outros vão experimentando a condução da embarcação “Giro Lancha” que se dirige para a ilha dos frades (o Nuno, Daniel e Duarte, por lá mais do grupo passaram). Outros tiram fotos para as redes sociais, tendo como fundo paisagens de ilhas florestadas no horizonte, (como a Sara). Outros banham-se ao sol (Carreira), outros fogem dele procurando as sombras da embarcação (Nicole e Ana L).
Candoblê
Eu procuro a Iemanjá, largo a âncora e sigo o coração, como tatuagens que me fez Jorge Amado, na sua obra “Mar Morto”, sem coordenadas gravadas. Citando, “os homens da beira do cais só têm uma estrada na sua vida: a estrada do mar. Por ela entram, que seu destino é esse. O mar é dono de todos eles. Do mar vem toda a alegria e toda a tristeza porque o mar é mistério que nem os marinheiros mais velhos entendem (…) Quem já decifrou o mistério do mar? Do mar vem a música, vem o amor e vem a morte. E não é sobre o mar que a lua é mais bela? O mar é instável. Como ele é a vida dos homens dos saveiros”. Isto é sentir a Bahia, mas só um pouco, o mesmo de Jorge Amado. Não posso deixar aqui de referir também a sua obra Jubiabá, onde nos surge a ancestralidade e misticismo da Bahia em todo o seu esplendor, a história de Baldo que se desenvolve numa terra marcada pela magia e pela exploração do trabalho, nesse universo a figura de Jubiabá que dá título ao livro é uma espécie de mago fazendo referência ao candomblé, “pai de santo” e espiritismo.
Pergunto a José Barreto se têm religião ou misticismo? Ele responde que Salvador é uma cidade muito mística, é uma cidade que tem vários deuses, “herdámos isso, mas ao mesmo tempo é uma cidade muito católica, mas também somos uma cidade que obedecemos e respeitamos todas as religiões”. No seu caso tem uma relação intensa com o Candoblê, que no Brasil foi adaptado, “não é a mesma de Cuba ou dos EUA”. Conta que fizeram adaptações aos deuses ancestrais “transformando-nos” numa Bahia sincrética, que une as religiões sem desrespeitar os africanos. Exemplificando, indica que “nós vamos buscar histórias católicas e vamos uni-las ao mundo africano”. Exemplificou com a história da Santa Bárbara, uma menina que morava na Turquia e queria sair do paganismo, queria ser cristã, o pai não deixava. Um dia a própria aldeia pede ao pai que ele seja entregue à vila e é assassinada. Ela se transforma então em Santa. Os africanos quando vêm para a América adotam essas histórias”. Em Portugal e no Brasil, Santa Bárbara é uma santa católica protetora contra raios e tempestades, é sincretizada com Iansã, orixá dos raios e tempestades no Candomblé e Umbanda, celebrada no dia 4 de dezembro.
Procuro entender como posso transmitir mais sobre a Bahia, algo que ainda não tenha sido lido, nem escrito, talvez seja mesmo impossível desta forma. A embarcação, que partiu de Salvador, segue o seu rumo, cerca de uma hora e meia de viagem, bem para o centro da Baía de Todos os Santos. Com apenas seis quilómetros de cumprimento, a ilha possui a forma de uma estrela de 15 pontas. A sua paisagem é composta por praias, lagos, cachoeiras, montanhas, coqueirais e uma vegetação típica da mata Atlântica, com árvores nativas, inclusive o pau-brasil. De acordo com uma lenda local, a ilha é assim denominada uma vez que, à época do início da colonização, nela foram assassinados dois frades pelos Tupinambás, os quais pretendiam catequizar. Foi, também, um importante entreposto de escravos para o Recôncavo Baiano (zona envolvente à Baía de Todos os Santos). Hoje, é na ilha dos Frades que está localizada a Praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, detentora do selo de Bandeira Azul, que a classifica como uma das melhores praias do Brasil, e à qual chegámos através do Cais da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe. Na ilha, turistas têm tempo livre para conhecer a vila onde estão os restaurantes e pousadas, subir ao miradouro (através de 100 degraus) onde está a pequena Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe e aproveitar o maravilhoso mar na Praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe. A Baía de Todos os Santos tem 38 ilhas e foi aqui também que começou uma das histórias do Brasil.
Por Pedro Chenrim. A Ambitur viajou à Bahia a convite da Solférias e Air Europa






















































