O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região do baixo, norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

Não se dá por tempo perdido, sob o olhar do Castelo de Marvão, o jovem, resiliente e irrequieto, António Melara Nunes, recebe-nos no Lagar Museu Melara Picado Nunes, num pequeno povoado designado por Galegos, que traça, uns metros mais acima fronteira com Espanha. Mais que um sonhador, António não se cansa, nem cansa os seus visitantes a vender o seu território, a alma de uma região que ainda pertence hoje ao seu bisavô, avós, outros familiares e que quererá incorporar na sua descendência. A região é o Parque Natural da Serra de São Mamede, do qual fazem parte as suas árvores de fruto, onde irá sobressair a oliveira, os prados onde assentam as suas raízes, os animais que os valorizam, o ciclo natural dos últimos séculos, milénios, não sabemos bem desde quando. Por entre riachos e cascatas – se não os vemos, ouvimos – seguimos durante uma manhã as suas pisadas, acabámos em Espanha, para regressarmos de novo e entendermos os repastos do lagar que acompanham a apanha da azeitona e sua transformação em azeite, por estas bandas, em cada final de ano.
O azeite
Herdando um antigo lagar, e depois de um pacto secreto com o seu avô, António Melara deixa o seu curso de arquitetura por finalizar. No quarto ano da licenciatura vira-se para um dos territórios mais interiores e esquecidos do país, onde até a própria autoestrada nunca ouviu falar. Para lá de Portalegre, no concelho de Marvão, tenta revitalizar antigas tradições, a partir do azeite. Servindo este hoje como mote à sua vida.
O responsável começou a fazer olivoturismo desde 2015 “e foi porreiro, porque como não há histórico, como não há outras empresas a fazê-lo, ou não havia, eu fui trilhando o meu próprio caminho e fui aprendendo um bocadinho com os meus clientes, com os meus amigos, meus parceiros; com as pessoas que me aparecem cá e que estão disponíveis para estar aqui um bocado comigo e para fazer esta experiência”. Explica então que a base do olivoturismo é o Parque Natural da Serra de São Mamede e o olival tradicional. E isto aqui muda tudo, pois há quem associe muito o azeite e o olivoturismo às propriedades onde existe uma cultura super intensificada, refere. Sendo assim, António enfatiza “o nosso produto é completamente diferente. Aqui não temos esse género de olival e somos puros defensores do olival tradicional, da azeitona galega e da azeitona cordovil”.
Ao longo do passeio por uma das encostas da Serra de São Mamede, António descrevia o habitat por onde passávamos: “mais uma vez quero que vocês olhem um bocadinho à volta e percebam que no meio desta vegetação toda nós temos aqui bastante olival, mas ele está completamente integrado com os sobreiros”. Este é o olival tradicional. Indica ainda o nosso guia desta caminhada que “uma vez mais, temos aqui um equilíbrio e é este equilíbrio que o Parque Natural nos dá faz e faz com que tenhamos animais que o habitem e com que ele seja sustentável”. As oliveiras não estão sozinhas, misturam-se com sobreiros, castanheiros, carvalhos… Já de regresso de Espanha, paramos num terreno ao acaso, abrimos o cercado e avançamos para oliveiras. Explica-nos que estas são podadas através de uma técnica muito antiga em que se corta totalmente a ramagem da oliveira, permitindo que a árvore regenere. “Quando fazemos isto sabemos que vamos perder produção de frutos por dois anos, depois temos azeitona ao 3º, 4º e 5º ano. Esta técnica, de certa forma, ajuda a evitar a propagação das doenças, que nas árvores normalmente vão para as partes mais fracas, para as extremidades”. O olival para o qual avançamos está sobre uma carpete vegetal, indica, “esta é fundamental, a base de tudo”. Explica o António que se não tivermos uma boa terra, dificilmente existirão boas árvores, pois, quando estiverem a ficar 35 ou 36 graus a humidade vai continuar no solo, porque o sol não incide diretamente. O segundo elemento, deste cenário, é que as oliveiras estão acompanhadas por ovelhas merinas, a carpete também “é o alimento daquelas meninas (ovelhas) e estão a dar os nutrientes que as árvores precisam. Isto retém tudo o que faz falta. Isto é vida. Tudo isto é vida aqui por baixo”.
O responsável também criou um programa de apadrinhamento de oliveiras. Em que, basicamente, quem os visita pode dar um nome a uma oliveira e se quiser ajudar a contribuir para que possam tratar dela.
Estamos no final de maio, as ramas novas das oliveiras estão com flor, começaram a abrir e “agora, aqui dentro disto, o que estiver verdinho é fruto, outros, astanhos, abortaram. Baby born! Hello, hello. Olá. Bem-vindos. Bom dia”, congratula-se o nosso entrevistado por ver a vida a seguir o seu rumo e remata “Brutal! Na realidade, não foi necessário fazer absolutamente nada. Isto é natureza a dar-te um fruto”.
Nos meses que precedem o final do ano, a apanha também é feita de modo tradicional, mecanizada: “panos no chão e máquinas, tipo vassouras elétricas. A ideia é tentar tocar no fruto e não na árvore. É possível mecanizar apenas só com vibração, mas este olival, por exemplo, que aqui está, não é possível porque elas são muito velhinhas; as raízes, em vez de estarem muito fundas, estão assim, muito à volta. E, provavelmente, se chegar aqui e começar a abanar fico com elas na mão. Portanto, não é de todo uma solução”.
O segredo
Da colheita vai para o lagar. O Lagar-Azeite Castelo de Marvão tem hoje duas faces. Uma bem antiga, que serve de museu e também de cenário a parte da conversa. A outra face é o novo lagar que foi criado neste processo de revitalização.
Recuando um pouco no tempo, enquadra-nos António Melara que um dado muito interessante é que há umas décadas a indústria do azeite aqui era grande, havia 25 lagares de azeite aqui na região. Todas as aldeias teriam lagares de azeite e não só. Entretanto as pessoas deixaram de colher a azeitona e começaram a fechar por eles próprios. “ Bem, há um certo lobby feito, principalmente do lado espanhol, nos anos 80, em torno do que é o olival, e eles definiram muito bem aquilo que era uma estratégia de futuro. E nessa estratégia de futuro vieram incentivos para modernizar os lagares, modernizar as plantações, etc, etc, e de certa forma, o que foi feito por lá, mas acabou por matar todos os pequeninos”. Foi então de onde o entrevistado partiu, “há muito poucas marcas de azeite como nós, feitos do olival tradicional, com o lagarzinho, estás no mercado a combater com os grandes, mas a verdade é que tenho conseguido, e de uma forma orgânica, e é giro e nós percebermos que é possível, custa, demora tempo… não podes querer viver disso logo, tens que deixar o mercado ir, mas a verdade é que é muito rápido perceber uma coisa, é que este azeite, por ser doce, cria saudade no paladar das pessoas”.
Explica o responsável que tentou mudar o cenário, “no meu lagar, ou seja, não o lagar antigo, o lagar novo, trabalhamos essencialmente com dois tipos de azeitona, a minha azeitona e a azeitona do cliente. Ou seja, quando remontei o negócio e montei o lagar, eu rapidamente percebi que o Excel que tinha feito não batia certo. O azeite estava completamente desvalorizado, as pessoas achavam que é mais barato comprar o azeite nos supermercados, não era como era hoje e, portanto, tive de fazer um trabalho de convencer as pessoas, os netos e os filhos dos herdeiros a voltar, nem que seja na altura de dezembro, para colherem a azeitona e levarem a azeitona ao lagar”. Acrescenta que “depois, eu cobro-lhes um valor por quilo em dinheiro. E eles ficam com 100% do azeite para eles. Isto é bom porque, ao fim e ao cabo, eles acabam por ter o azeite e levar o azeite para Lisboa, para os amigos ou para os familiares. E lentamente, o que é que nós fizemos? No primeiro ano tivemos 50 clientes, no ano passado 2700. Isto, com calma, isso aqui é uma pequena, grande revolução de defesa do património e do olival tradicional”.
Porque este azeite é tão especial? E qual o seu segredo? Já há pouco o nosso interlocutor nos abordou no paladar mais doce deste azeite. Agora explica, “quando nós começamos a colher a azeitona, ela vai estar maioritariamente toda verde, outra coisa que normalmente as pessoas não sabem, à medida que nos vai chegando vai ficando negra. E naturalmente, este é que é o segredo da coisa, é que tu, entre o verde e o preto, tens azeites com sabores diferentes, porque naturalmente o fruto tem maturações diferentes”. Então é isso que lhe permite depois fazer o seu portfólio de azeites e dá-los a provar. Nesta ocasião a prova incidiu em dois azeites (Marvão DOP, Marvão Reserva Virgem Extra Galega e Marvão Doce, são as marcas da casa) completamente diferentes, um colhido com a azeitona de outubro e outro colhido com a azeitona de novembro/Dezembro, completamente diferentes: um verde, amargo, ligeiramente picante, super frutado, super inocente; outro maduro e doce. Remata o António “ambos são doces confinados, isto funciona e é muito interessante, porque para cada azeite há uma condição diferente, uma é melhor para o almoço, outro faz sentido para cozinhar, outro para fazer saladas, etc, etc, etc”.
É exatamente igual ao vinho, acredita António, que, resumindo e concluindo, sobre quais os valores que os diferenciam como marca de azeite indica estarem no Parque Natural de São Mamede, “e esta é a base, e foi por isto que fizemos aquela caminhada e aquele conhecimento fundamental, e se nós não aprendemos isto, não estamos mesmo a perceber. Essencialmente, como é óbvio, a questão de termos um olival tradicional, os processos manuais, a altitude, que é outro fator, toda a água; esta altitude leva-nos a temperaturas negativas de inverno, porque temos muitas horas de frio essenciais para curar, para fazer o poesio vegetativo às árvores, para elas terem tempo de parar e depois recuperam a seguir. E depois, por último, a questão dos azeites serem doces.”
Remata então o empreendedor: “Olha, eu às vezes, quando tento explicar isto às pessoas, digo assim: bom, na realidade, nós até não fazemos nada de especial. Nós só estamos a entender o que é que o parque nos dá. E estamos a seguir as regras”.






















































